sábado, 3 de outubro de 2009

Overdose de realidade

Por Paula Andrade

Existe ainda o tal do machismo? E no meio musical? Existe esta barreira a ser vencida pelas musicistas? Evidentemente, não se trata de uma pergunta com resposta pré-formulada, e sim, algo que merece uma longa reflexão.
É fato que “eles” sempre estiveram à frente no mundo da música. Podemos começar pelos nomes da música clássica, Mozart, Bethoven, Bach; passeando pelos mestres do jazz, Hancock, Milles Davis, Chalie Parker, Louis Armstrong; reis do rock, Elvis, Beatles e os Stones; grandes guitarristas, Steve Vai, Satriani, Santana; sem esquecer dos grooves históricos de Willie Dixon, Jaco Pastorius e Victor Wooten.
Quem não se espantou quando se deparou pela primeira vez com a Esperanza Spalding, líder de um grupo formado por quatro homens? Sem dúvida foi uma batalha para eles reconhecerem que ela sabe exatamente o que está fazendo. Será que o motivo disso é o fato dela ser uma mulher e ocupar uma posição normalmente de um homem? A cantora, baixista e compositora americana reponde a esta questão: "Há músicos que pensam duas vezes antes de admitir que sou uma boa baixista. Convencê-los das minhas qualidades como líder de banda é ainda mais complicado", disse Esperanza a VEJA.
Cantoras sempre foram bem-vindas, em especial quando fazem o tipo sexy, mas a mulher instrumentista corre o risco de ser rechaçada. “Elas não têm a mesma pegada”, dizem. Esta tese desaba quando se revê a história. Mas, mesmo assim, os comentários que elas ouvem continuam os mesmos. Quando têm um bom desempenho, comentam:“até que tocou bem para uma mulher”, mas se a noite é ruim: “É claro que tinha de ser uma mulher!”.
Diante da pergunta mais clichê de todas: “Qual é a sua influência?” a resposta geralmente vem acompanhada do gênero masculino, coisa que só comprova aquilo que desejamos fingir não ver. Mas já faz tempo que se escuta “agora é a vez delas!”. Será que é verdade? O que as mulheres, musicistas anônimas, acham desta afirmação?


Maria Paz, percussionista, participou de inúmeras bandas do cenário carioca, indo do jazz ao flamenco. Sua escola foi o forró, maracatú, samba de raíz, mpb (Cássia Eller principalmente), jazz, chorinho e ritmos latinos. Atualmente está se dedicando ao estudo de rítmos árabes. Busca inspiração nos artistas de rua, os anônimos, porque sempre está em busca do novo
"O machismo está presente no meio musical e muito! Embora as mulheres sejam tão capazes quanto os homens, lidamos dia-a-dia com o preconceito e discriminação de um mundo infelizmente machista, melhorado, mais ainda machista! Já aconteceu comigo algumas vezes de dizerem assim: 'Pô, legal você até que toca bem pra uma mulher!' Só é facilmente aceita quando tem um padrão de beleza extremo (risos)".


Alice Catharina, manauara, começou a tocar baixo no final do ano de 2004. Autodidata, já está atuando como contrabaixista há 5 anos. Assume o baixo nas bandas Roxie e Night Mary, ambas femininas. Com a Roxie, participou de festivais em Manaus, abrindo shows de Biquíni Cavadão, Ludov e Luxúria. A banda está com vários formatos de show e o mais novo é o formato meio acústico. Em novembro fará uma apresentação com a Roxie, no dia 14 no Imperium Vibe Fest. Vale a pena conferir o myspace da banda Roxie e ficar por dentro da agenda: Myspace da Banda Roxie
"Pelo menos aqui em Manaus quando sabem que é uma banda feminina, fazem questão da presença! Mas creio que depende da postura da banda e do tipo de som que ela resolve tocar. Tanto a Night Mary quando a Roxie, são do estilo Pop/Rock, que tem uma aceitação melhor do público. No entanto, alguns comentários pejorativos sempre fazem mesmo. Nem que seja “só por brincadeira”, mas acontece. E sempre tem aquela comparação também. “Ela toca melhor que muito homem”. Eu acredito que o momento pede uma união, pois o músico, de uma forma geral, já sofre com o preconceito da sociedade. Portanto, “todos unidos, todos ganham”. Por isso acredito que agora é a nossa vez. A vez dos Músicos"!


Aline Paixão, carioca, iniciou-se na musica com 15 anos. Seu primeiro instrumento foi o violão, depois a guitarra e mais tarde veio a se interessar pelo contrabaixo. Red Hot Chili Peppers, Ozzy, Rage Against The Machine, Lacuna Coil, Victor Wooten, Michael Jackson, Arthur Maia, Jimi Hendrix, Led Zeppelin, Metallica, Black Label Society, Glenn Hughes são algumas de suas influências. Atuou em algumas bandas como guitarrista e vocalista, Estação X e Morfina. Como baixista desempenhou alguns trabalhos com Letícia Amorim, em que se destaca o vídeo da música “Ciao” de Letícia Amorim no link:
Ver video
“O machismo existe sim, isso é um fato indiscutível! Nós crescemos e vivemos driblando esse preconceito, criando formas de ser livres dessa dominação que também está presente no meio musical. Isso acontece mais com as instrumentistas que tocam instrumentos que praticamente só tem homens tocando. Quando aparece uma mulher tocando guitarra, baixo ou bateria, pelo que já presenciei, é uma situação bastante tensa, o clima muda totalmente. As pessoas não estão acostumadas a ver mulheres liderando homens. Mas percebo uma melhora, agora temos é que aproveitar isso de forma inteligente”.


Eleonora Curi, baixista, atuou no fim da década de 60 na banda THE OFF BEATS. Atualmente é sócia de um estudio de audio e video em Niteroi, Conheça o estúdio
“Para mim fica dificil achar discriminação atualmente. Imagine o que era no final dos anos '60. Eu tocava baixo elétrico na banda "conjunto" THE OFF BEATS.Os três outros componentes eram rapazes, e ainda por cima tocavamos ROCK. Em 69 participamos do festival Caravana do Yê Yê Yê, fomos receber o premio no programa "Tio Tonka" na TV Continental, e até lá as pessoas se espantaram comigo no baixo. Nos últimos anos, as mulheres tem se destacado em todas as profissões, o que ajudou muito a diluir o preconceito. O cenário musical está repleto de musicistas, e excelentes, por sinal, mas sempre existe um "engraçadinho" metido a machista!”


Mariana Cunha, carioca de 22 anos, começou a estudar bateria com 15 anos. Devido a problemas no punho, teve que reduzir o ritmo de seus estudos, mas se diz apaixonada pelo instrumento.
Atuou por um tempo em uma banda do cenário carioca composta somente por mulheres.
“Com certeza nossa sociedade ainda herda o machismo, em vários campos, inclusive o musical. Mas o machismo vai muito de cada pessoa, tem pessoas que são e pessoas que não são. No meio musical, especificamente, acredito que o machismo seja mais ameno. Mas sempre haverá aquele que acha o diferente incapaz. Eu acredito que “a vez delas é a toda hora. Acho apenas que, nos últimos anos, nós mulheres temos tido maior confiança".



Letícia Amorim, carioca, compositora, contrabaixista e pianista, ganhou destaque dentre os baixistas do cenário brasileiro no site de Joel Moncorvo Veja o link. Iniciou-se musicalmente aos 9 anos no estudo do piano clássico por 5 anos e só mais tarde despertou o interesse pelo contrabaixo. Atuou como contrabaixista em alguns grupos de jazz entre 2004 e 2007, destaca-se o Marfig Jazz Clube que ainda esta em atividade. Com Mariane Guerra desenvolveu um trabalho autoral que chamou de Panturrilhas Severinas. Com Alessandra Barros, Marcio Figueiredo e Pestana desenvolveu o projeto autoral “Carapuça Urbana”. Em 2008 iniciou seu trabalho solo, autoral, onde toca piano e contrabaixo na música “Ciao”. Outro destaque é o polêmico jazz “Vou Cagar” que compôs em parceria com Marcio Figueiredo, onde podemos apreciar um walking bass marcante. Surpreendeu quando cantando em “Por um Triz”, todas de seu álbum autoral “No Lugas”. Podemos conferir essas e outras músicas no seu myspace: link para myspace
"Apesar de minha inocência inicial, sempre percebi gestos, olhares e comentários machistas no meio musical. Já fui alvo deste tipo de preconceito. Piadas, por mais que soassem como brincadeira sempre foram parte do dia a dia musical. Isso já me aborreceu muito, mas hoje em dia, ou acostumei ou parece que resolveram “me aceitar” (risos). Realmente existe um fator cultural e histórico muito grande. Parece coisa de outro mundo, mas bem pouco tempo atrás as mulheres nem votar votavam ... Portanto, ainda não se pode dizer que não há machismo no meio musical. É algo gradativo, mas ainda choca ver uma mulher tocar baixo ou bateria. Mas parece que estamos conquistando nosso espaço. De vez em quando ainda escuto comentários, mas isso só me dá mais vontade de seguir em frente".



Lena Ganthos, compositora carioca, violonista e cantora. Atuou em diversas bandas do cenário carioca.
Atualmente dedica-se ao seu trabalho autoral, que vocês podem conferir no YouTube: Veja video no youtube
“Olha, acho que ainda existe machismo sim, mas
é bem menos que antigamente. Digo isso por experiência própria, pois viví isso com uma banda de rock de Nova Iguaçu nos anos 80, formada só por homens. Acho também que existe uma questão cultural nessa história: "guitarra é instrumento para homens" e "piano para mulheres" blá blá blá. Quantos homens já mostraram talentos divinos pro piano e mulheres pra guitarra? Isso tudo é ridículo e vai cair com o tempo, tenho certeza disso. Tocar um instrumento ainda vai, mas compor é forte demais pra cabeça dos retrógados machistas. O talento não depende de beleza, nem de idade e muito menos do sexo da pessoa. Quando ele tem que vir ele vem logo e pronto, nao tem explicação”

Um comentário:

  1. Olá... Conheci Maria Paz quando ela ainda começava a se dedicar aos intrumentos e posso dizer simplesmente que, além de concordar com ela, acrescento que muitas vezes os donos de casas onde musicistas fazem seus espetáculos não são valorizados pelo fato de serem mulheres. Maria é um excelente exemplo de perfeita profissional, competente, inteligente, variada, disciplinada e sobretudo, extremamente carismática e amada pelo público, que procura por ela.
    Conselho: os donos de casas e afins deveriam prestar mais atenção no talento e na responsabilidade do artista, do musicista. Não se preocupar em ser homem ou mulher. Como homem digo que ha outros por aí fazendo muita bobeira e travando vaga de quem quer viver da música, num país que ainda não valoria seus próprios artistas, que não os remunera como devido.
    Maria, você é demais, perfeita show-woman!

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