sábado, 24 de outubro de 2009

Embarque ao som de Igor França

Por Gilson Cunha

Na década de oitenta e noventa, sempre me atentei aos discos e CDs que contassem uma história ou tivessem um tema como título e todas as músicas incluídas falassem do mesmo, sem necessariamente seguir uma cronologia. Não encontrei muitos. Minha grata surpresa inicial ao conhecer o trabalho de Igor França, foi justamente a idéia de seu CD expressar todas as etapas de uma viagem de avião, do check in a aterrisagem, passando pela decolagem e a serenidade do céu.
No entanto, seu trabalho diz mais que isso, Igor França se revelou um músico de técnica apurada nesse seu CD de estréia. Conversamos com o Baixista para saber um pouco mais sobre sua trajetória e impressões sobre a música. Igor França é mais uma boa dica que encontramos. Dessa vez, para os interessados em música instrumental, contra-baixo e talentos desse Brasil afora, "apresentamos" um pouco do músico Igor França que você pode ouvir na Web Rádio Ilha e nos links ao fim da matéria.

Web Rádio Ilha - Igor, hoje você é um musico conceituado em sua região, autodidata e multiinstrumentista certo? Diante do interesse e habilidade com tantos instrumentos, como foi a escolha do seu instrumento principal, o contrabaixo? Houve alguma referência a algum músico específico, uma situação na vida, influência da família? O que você sente hoje por ter escolhido o contrabaixo entre tantos outros?


Igor França - Bom, digamos que eu "fui e voltei"... influenciado pelo meu irmão, que começou a ter aulas de violão clássico e erudito, eu pude perceber que não seria tão difícil aprender a "tirar notas" de um instrumento. Meu pai tinha uma guitarra velha encostada, e aí eu tentei algo nela. Após algum tempo, me tornei fã da banda KISS (e, principalmente, de Gene Simmons, achei "louco demais" o que ele fazia e queria fazer igual). Após quase "destruir" a guitarra do meu pai (e assim, dando meus primeiros passos para a luthieria também), ele me deu um baixo. Isso foi em 1997.


WRI - Você escreve suas musicas em partitura ou tem um jeito especial de escrevê-las? Como foi seu processo de aprendizagem nesse sentido? Alguma dica para quem não tem aquele extra para aula particular e esta começando?


IF - Na verdade, toda composição minha já vem pronta na cabeça. Temas, acordes "in e out", tom, riffs... enfim. Depois, é "montar" tudo isso e construir os detalhes, produzir, arranjar. Mas tudo já pré-pronto, e aí, só na finalização, escrevo para outros músicos tocarem comigo, ou mesmo para arquivar, mesmo porque sou meio esquecido. Esse "esquema" todo fica muito mais fácil quando você estuda harmonia, (tonal, atonal, funcional, outside...) escalas e seus usos. Pra quem não tem como pagar um professor, como foi o meu caso, eu sugiro duas coisas: perseverança e paciência. Lute pelos seus objetivos, respeitando o seu rítimo inicial, que costuma ser lento mesmo. Use mais um "mapa mental" daquilo que é difícil de tocar, costuma funcionar bem, mesmo porque, quem manda é o cérebro, não os seus dedos. E hoje em dia temos a internet bastante difundida, não tem desculpa para não aprender. Na Internet, existem vários sites e métodos excelentes.



WRI - Muitos músicos quando jovens, conflitam técnica e sentimento, acham que quanto mais estudarem, mais longe ficarão do feeling. Como você conciliou esses dois pontos tão importantes para execucão da música? Conte-nos se em algum momento, um lado tenha atrapalhado o outro.


IF - Isso é verdade... eu acredito que técnica é uma ferramenta, e cada um tem o seu "feeling", aplica sentimento de seu modo. As duas coisas podem sim andar juntas e serem aplicadas/exploradas no momento mais adequado, ou numa determinada música/trecho onde cada coisa fica devidamente mais evidente. Por ser autodidata e por buscar tocar aquilo que eu curtia, esse "conflito" teve maior parte no início dos meus estudos, onde eu procurava tocar coisas mais difíceis, e se "agravou" quando entrei numa banda de progmetal, onde o quesito essencial era: tocar "bem" (rápido, com técnica, etc).


WRI - Como surgiu a idéia do CD “Crossing the Skies”, que fala sobre uma viagem de avião e as emoções que a envolvem?


IF - No início das gravações, eu tinha apenas 9 músicas prontas, mas nenhuma delas tinha conexão, não tão evidente como está no CD. Dessas, aproveitei 5 e compus mais 6 para fazer parte do CD. A idéia surgiu de duas coisas: a primeira, um relacionamento que tive com uma comissária; a segunda veio devido à uma viajem que fiz, onde no caminho meu irmão colocou CD's do Joe Satriani e eu comecei a, literalmente, "viajar no som". E nisso, eu pensei que seria muito legal ter um CD que "já fosse uma viagem". Aí, foi só compor as outras músicas, encaixar as que já estavam pré-prontas na estória...


WRI - Você gravou, além do contrabaixo, vários outros instrumentos em seu CD solo. Isso foi mais falta de disponibilidade e tempo dos outros músicos aliada a vontade de ver logo o trabalho pronto, ou simplesmente querer ver o trabalho do seu jeito?


IF - As três coisas... aliada à falta de grana pra pagar outros músicos. Eu sempre busco, em tudo que faço, a total autonomia... acho que isso é muito bom, pois te deixa mais livre. Tem um lado ruim, pois você tem de se desdobrar, isso leva mais tempo às vezes, mas no geral, é bom. Algumas coisas que exigiram mais técnica, eu pedí para outros amigos meus executarem, mandando a idéia e deixando-os livres para fazer o que quisessem.


WRI - Você enfrentou problemas com o fato de ser baixista e querer liderar um trabalho? Você acha que existe alguma discriminação quanto a isso? E como você vê o mercado do contrabaixo hoje no Brasil?


IF - Bem, acho que a única discriminação que eu encontrei até hoje sobre isso, foi o fato de eu tocar rock. Não é uma coisa de proporções gigantescas, mas sinto que ainda há um pouco de preconceito de alguns músicos (em geral, jazzistas) por ter o rock como algo "fácil" de tocar. Mas o rock é fácil de ouvir, e isso é essencial para um músico se tornar mais conhecido, agradar mais e mais ouvidos, principalmente de quem sequer sabe o que é um baixo. O mercado é cheio de talentos, o Brasil vive já a algum tempo um "boom" de músicos excepcionais, com trabalhos maravilhosos. O problema do nosso país é o espaço dado para que isso chegue ao grande público.


WRI - Você pretende gravar outros CDs com a mesma idéia de uma historia seqüencial?


IF - Sim. O "Crossing The Skies" surgiu de uma forma onde eu deixei em aberto, a última música do CD "não termina"... e só será concluída daqui mais duas "estórias", mas antes, quero gravar algo mais voltado para nossas raízes, explorando a bossa, o sambajazz, o baixo fretless e um "Power trio".


WRI - Falando um pouco mais sobre a produção, você já produziu outros trabalhos além dos seus?



IF - Na verdade, sempre pesquisei, sempre gostei de como se "constrói" uma música. Mas, infelizmente, isso não foi aproveitado pelas bandas e pelos trabalhos onde passei. Então, pude por em prática o (pouco) conhecimento que tenho sobre para produzir meu som. E, apesar de ser um chato de carteirinha e perfeccionista demais (o que é bem ruim muitas vezes), achei que ficou muito bom, pra um primeiro trabalho.


WRI - Qual a plataforma e software de gravação você usou em seu CD? Você gravou, mixou e masterizou todo o CD no seu Home Studio? E mais uma vez, sentiu algum tipo de resistência ao seu trabalho pelo fato de ter sido gravado num Home Studio?


IF - Eu comecei no mundo da gravação digital por um soft e terminei por outro, por "incompatibilidade de gênios": Cakewalk e Reaper, respectivamente. Todo o processo, desde as gravações e montagemd a arte, eu fiz aqui no meu "pseudo" homestudio. O mais legal disso é que todo mundo acha que eu tenho um mega-studio, ninguém acredita que gravei tudo isso no meu quarto, e que gastei horrores... Acho que ficou bom, no final das contas... :-D


WRI - Agora vamos falar um pouco sobre o trabalho de campo. Você já viajou ou pretende viajar para divulgar o Crossing the skies? Quais suas expectativas para a aceitação do publico? Muitos músicos desanimam por saberem que seu trabalho não e convencional, mas se surpreendem com a boa receptividade do publico, você compartilha desse sentimento?


IF - Bem, nesse aniversário de um ano de lançamento do CD, muitas coisas me chatearam profundamente. Uma delas é o fato de não ter o devido espaço para coisas novas, apesar do público em geral estar receptivo à coisas novas. Outra coisa é o fato de eu não ter lançado em um show meu CD, pela falta de espaço e oportunidade dados aos músicos daqui de Santos. Também há o fato de que tudo custa caro, desde você prensar um CD até a divulgação... claro que tudo tem seu custo, mas isso é um entrave pra quem faz tudo sozinho. Mesmo assim, tendo divulgado pouco (especialmente por esse fator, falta de capital), a aceitação do público foi excelente ! Incrível como muita gente conhece meu trabalho, mesmo em outros estados e até países. Isso é muito gratificante, pois te mostra que você está no caminho certo, ou seja... fez um bom trabalho.


WRI - Em sua trajetória musical, como foi sua relação com a OMB? Você consegue enxergar vantagens e desvantagens para os músicos por existir a Ordem tal como ela é hoje?


IF - Como tudo começou como "hobby", nunca me preocupei com a OMB e por ter uma homologação. Após a entrada em uma banda, como citei, e ela ter tido certa projeção no cenário musical, fazendo bastante shows pelo país, passei a considerar minha entrada na OMB, mas foi numa época onde ela estava esquecida e sequer tinha fiscalização e, quando tinha, eram por pessoas pouco ligadas à música e arte. Quando iniciei minha carreira solo, fui diretamente procurar a OMB, mas foi na época em que a lei que a derrubava foi sancionada pelo governador do estado... então, até hoje, não tenho a carteira. E, sinceramente, só a terei quando a coisa for mais séria, principalmente para tirar a carteira.


WRI - Você comenta que gostaria de ultrapassar os limites do contrabaixo. O que você tem pensado para o futuro breve? Já pensou em apresentações com dois ou mais baixos ao mesmo tempo? Afinações diferentes? Efeitos? Qual o seu próximo passo no desenvolvimento de sua música com o contrabaixo?

IF - Na verdade, penso que todo instrumentista que busca evidenciar seu instrumento, tem de pensar numa amplitude muito maior do que apenas satisfação pessoal. Não pretendo ser um malabarista, mas sim, um baixista que "toca" (literalmente) a maioria das pessoas me ouvirem e me verem tocando. Sempre penso no lance "Plástico" da coisa, mas principalmente, na sonoridade. Musicalmente falando essa é minha pretenção: quando um músico que "sabe tudo" e um leigo que "não sabe nada" ouvirem meu som, gostarem na mesma proporção, ou seja... apreciarem a música e o que eu faço no baixo.

____________________________________

Essa é uma matéria feita pela WebRádio Ilha
Ouça clicando aqui

Conheça mais sobre Igor França
Ouça agora o IGOR FRANÇA

Nenhum comentário:

Postar um comentário