sexta-feira, 9 de outubro de 2009

O carisma e arte de Charlie Gibson

Por Odete Marques

Vez em quando somos surpreendidos. Ocorreu comigo quando tive o privilégio de me deparar no myspace com o som de Charlie Gibson, nosso entrevistado esta semana.
Charlie é músico, compositor e experimentador de outras artes, em breve se graduará no curso de Bacharelado em Música Popular, além de participar de várias produções culturais, desenvolve um trabalho bastante influenciado pelo som das décadas de 60 e 70, mas nem por isso deixa escapar as novas tendências da música popular. Ele vai além do rock sessentista, trazendo em sua bagagem tangos, boleros, música clássica, samba, choro, oriental, jazz e eletrônica. Produziu até agora 7 álbuns, sendo o último deles intitulado Ici et Maintenant: La Pluie. Este álbum de 2009 segue o mesmo caminho de seu anterior, "London or Montreal", apresentando um pouco da arte de Charlie Gibson também para os francófonos. A arte da capa novamente foi feita por Cristiano Leão. Em seus álbuns, Charlie Gibson executou todos os instrumentos, desde os pianos, sintetizadores e teclados de palheta à guitarras, baixos, bateria e outros instrumentos menos convencionais.

WEB RÁDIO ILHA - Como a música entrou na sua vida? Você buscou sozinho, ou surgiu através de alguém especificamente? Sua família foi favorável? Como se deu a escolha do instrumento?

CHARLIE GIBSON - Aconteceu tudo muito naturalmente. Quando eu tinha uns 7 anos, ganhei de aniversário um tecladinho de brinquedo, daqueles pequeninos. Aí acabei me apaixonando pelo instrumento e tirando "de ouvido" umas canções e meus pais viram que eu tinha algum potencial. Durante a infancia e adolescência fui fazendo aulas e acabei tendo minha primeira profissão como músico acompanhante de coral (claro, sem falar nas bandinhas adolescentes). Quando terminei o segundo grau, optei por fazer Publicidade e Propaganda, mas depois de dois anos, vi que não era aquilo que queria fazer, e meus pais mesmos que me apoiaram a largar tudo e ir pra Curitiba fazer Música.

WRI - Com que idade fez sua primeira composição?

CG - Eu tinha uns 15 anos, comecei a me interessar bastante por poesia...o próximo passo foi escrever uma canção. Mas a maioria das coisas dessa época se perderam.

WRI - Explique como é o processo de criação/composição? Existem musas inspiradoras? Você compõe para alguém?

CG - Meu processo de criação é bem caótico. Não tenho um método a seguir. Às vezes eu faço a letra e busco uma melodia pra ela. Às vezes a melodia é que faz a letra...às vezes as duas vem ao mesmo tempo. O que eu faço é sentar com um instrumento, um lápis e papel (ou no computador mesmo) e ir deixando a música e o som que estiver dentro de mim me levarem. Depois eu gravo o que saiu e vou escutando pra ver o que tem que melhorar.As músicas vêm de experiencias que a gente vive, das nossas relações com outras pessoas e essas coisas, é dificil fugir disso. Quando mais novo, eu costumava ter várias musas inspiradoras, platônicas principalmente, e acabei fazendo várias canções pra elas. Com o tempo a gente acaba levando as experiências pro terreno da ficção e as músicas acabam ficando menos subjetivas. Mas eu sou um cara romântico, e ainda continuo compondo pra alguém sim. A única diferença é que agora minha musa inspiradora não é nada platônica, e meu próximo álbum (que espero em breve poder mostrar pra vocês) é totalmente dedicado a minha companheira, Laurita.

WRI - Em seus shows, como é a reação do público quando você executa uma música instrumental? Você percebe alguma diferença quando toca uma música instrumental e quando toca uma composição com letra e voz?

CG - A música instrumental tem seu estigma. Eu a vejo como uma música de difícil absorção às pessoas mais leigas, então quando se executa uma música instrumental, acaba sendo aquela coisa: música para músicos, o que é um pouco triste. Nunca tive uma reação negativa quanto às musicas instrumentais, mas é visível a preferência do público às canções. Tudo isso se deve ao fato da educação artística brasileira ser praticamente nula. É uma pena, a música instrumental deveria ser valorizada tanto quanto a canção, visto que a primeira ultrapassa as barreiras da lingua e toca direto nos sentimentos das pessoas.

WRI - Para você música é mais sentimento e menos técnica ou é mais técnica do que sentimento?

A técnica é a ferramenta do músico. É preciso dominá-la pra poder alçar vôos cada vez mais altos. Mas somente técnica sem sentimento é simplesmente masturbação musical. Geralmente é na simplicidade, mas com todo sentimento, que se encontra a beleza. Na complexidade e no virtuosismo é fácil se perder a essência da arte.

WRI - Em breve se graduará em bacharel em Música Popular. Você percebe mudanças no antes e depois desta faculdade?

CG - Amadurecí muito nesses anos e a faculdade abriu muitas portas pra eu poder desbravar a minha arte. Ela me ofereceu os caminhos para entender a arte, mas existem horas e lugares pra exercitar esse academicismo e outras horas e lugares onde apenas devo ser artista. A faculdade me deu os paradigmas, e eu, como artista, devo quebrá-los.

WRI - Como é o cenário em Curitiba para a música? Existe alguma preferência local por estilo musical?

CG - Curitiba é uma cidade em ascenção quanto às artes. Sim, ela sempre foi uma cidade muito artística, porém um tanto quanto provinciana. Devido à proximidade com as cidades mais importantes do país (especialmente São Paulo), muitos artistas a deixavam para ir buscar sonhos mais altos, e os próprios curitibanos acabavam não dando muito valor à produção local. Já hoje eu vejo um movimento contrário. A cena curitibana sempre foi muito roqueira (vide bandas famosas como Relespública, Faichecleres) mas agora vive um "boom" de diversidade. Já é possível ver muito mercado para vários estilos musicais. O Rock continua sendo muito importante, mas eu vejo no futuro Curitiba sendo um pólo musical, gerando não só rock, como mpb, música instrumental, samba, sertanejo, e até música de vanguarda para o Brasil. Temos ótimos músicos aqui, e estamos começando a ser valorizados pelos curitibanos e até pelas pessoas de fora.

WRI - Em shows você só toca músicas autorais ou faz também “cover”? Como é esta relação da música autoral com o público?

CG - Atualmente tenho feito de tudo. Faço muitos "covers" de vários estilos, mas claro que o que me deixa mais entusiasmado é fazer música autoral. Quando apresento meu trabalho acabo me sentindo muito mais gratificado, é uma sensação muito boa ver que aquelas canções que compus estão ganhando vida, e tocando o íntimo das pessoas. Me senti muito emocionado e feliz quando uma pessoa veio me cumprimentar e confessou que "Jura" a fez chorar, e lembrar de momentos importantes da sua vida. Tocar alguém desse jeito não tem preço, é uma sensação indescritívelmente ótima.

WRI - Como vc sente o mercado musical no Brasil? Existe espaço para qualquer estilo, ou você percebe uma maior aceitação de um em detrimento de outros?

CG - Como em qualquer lugar do mundo, a música acabou tornando-se uma indústria. Mas no Brasil vivemos com "modinhas", de tempos em tempos um estilo musical entra em voga, seja por uma novela ou algo que o valha. Mas o mercado para os outros estilos não definham, apenas ficam à sombra. A música independente vem ganhando um bom espaço e vejo que podemos alcançar um equilíbrio entre os vários estilos musicais, se o Brasil realmente for um país que respeita a diversidade.

WRI - Vc vive somente de música? Música para vc é assunto profissional ou é um hobbie?

CG - Sim, a música é a minha profissão. E acho que todos deveriam vê-la assim, por mais que não seja sua principal fonte de sustento. Tenho sorte de poder trabalhar com o que eu amo e vivo somente de música, toco em bandas de baile, faço arranjos, dou aulas e presto vários serviços musicais. É triste saber que ainda hoje, ser artista é sinônimo de ser vagabundo.

WRI - Em quais lugares você costuma tocar? Costuma viajar a trabalho?

CG - Os locais são os mais variados, desde teatros a bares, em eventos, em universidades, em parques. Há tempos em que viajo bastante, especialmente pelo interior do Paraná e para Santa Catarina, mas ainda espero um dia poder conhecer o Brasil todo com o meu trabalho.

WRI - Qual foi o maior dilema que você já enfrentou em relação a música?

CG - Infelizmente, ainda é difícil poder viver somente com a prórpria arte. Então acho que meu maior dilema foi ter que abdicar dos meus gostos estéticos em alguns trabalhos e transformá-los num produto, para poder viver dignamente.

WRI - Qual é o limite entre o seu gosto e o do público? Você já teve que tocar o que você não gosta ou nunca teve problemas com isso?

CG - Pois é, como já disse antes, às vezes tenho que tocar o que eu não gosto, mas acho que isso é algo que acontece em qualquer profissão. Um engenheiro que adore construir pontes vai ter que fazer prédios. Um veterinário, apesar de gostar de trabalhar com animais exóticos, vai ter que cuidar de cãezinhos de madame, não é? Com o tempo e com o reconhecimento é que vai podendo-se restringir mais ao seu gosto pessoal.

WRI - Agora falaremos sobre a valorização dos músicos. O que acha dos cachês que não são pagos pela tabela dos músicos? O que você acha da atuação da Ordem dos Músicos do Brasil (OMB)? E o Ecad?

CG - Me lembro de uma vez quando fui fazer um arranjo e por curiosidade, fui ver quanto a tabela dos músicos dizia para cobrar. É algo totalmente fora da realidade. Mas infelizmente é por que ainda hoje não se trata da música como profissão. Se alguém por mais competente que seja, for cobrar o preço da tabela, simplesmente vai receber um não, pois vai ter alguém que faz isso por hobbie e vai cobrar um terço do que seria digno. Já tive trabalhos que foram negados exatamente por isso, e foram substituidos por amadores, que tocaram por uma cerveja, ou nem isso. É uma falta de respeito. E a OMB que deveria cuidar dos nossos interesses, simplesmente não fede nem cheira. Tenho minha carteira da Ordem, mas até hoje NUNCA me foi pedido em nenhum trabalho. Nunca vi um fiscal da OMB rondando bares, para ver se as condições dos músicos estavam sendo atendidas.
Quanto ao Ecad, apesar de não ser um mar de rosas, ainda faz um trabalho um pouco mais competente. Claro, ainda tem que melhorar muito, principalmente quanto à sua organização, a fiscalização e o repasse dos direitos autorais a quem interessa, mas pelo menos ainda tem um pouco mais de autoridade do que a OMB.

WRI - Lí uma matéria publicada no jornal comunicação de UFPR em que o assunto principal era a música BREGA. Poderia nos explicar a sua relação com este estilo musical?

CG - A música brega é um grande tabu da música popular brasileira. Todo mundo conhece, mas ninguém tem coragem de dizer que gosta. E tem tantas músicas maravilhosas nesse "estilo"! Na faculdade acabei me aprofundando nesse assunto, pra tentar provar um pouco para as pessoas que não é ruim ouvir Odair José, só por que ele tem uma linguagem simples. Muito pelo contrário, é essa linguagem simples, porém bonita que anda faltando à música popular brasileira pra se tornar realmente brasileira. Não que com isso eu esteja desmerecendo Chico Buarque, Tom Jobim e os grandes artistas brasileiros. Mas esses já estão consagrados, e muita da produção musical brasileira, da década de 70 pra cá está sendo jogada para o limbo, simplesmente por que não era ouvida por uma "elite cultural", ou por que não tinha um discurso esquerdista nas entrelinhas. Pura bobagem.

WRI - Vc já teve problemas com membros de alguma banda que participou? Como é sua relação numa banda? É puramente profissional, ou vc permite uma amizade? Fale um pouco sobre seus projetos (bandas).

CG - Sempre me dei bem com membros dos grupos que participei, acho que o respeito tem que ser sempre o principal num grupo. E no fim, sempre acabamos nos tornando amigos, e nos chamando uns aos outros para outros projetos e bandas. É preciso achar um equilíbrio, claro. No trabalho em grupo é preciso por o respeito e o profissionalismo em primeiro lugar, mas depois de um show ou de um ensaio, podemos nos divertir sem problemas. Atualmente estou tocando no Projeto "Realejo é Jazz" todo domingo, fazendo clássicos do jazz e da música instrumental brasileira, numa formação de quatro músicos: piano, baixo, guitarra e bateria. E estou tocando também com a Palco Brasil Orquestra, que faz bailes e eventos. Claro, além do meu projeto autoral, onde meus amigos vem participando.

WRI - Vc é ciumento com suas composições? Permitiria que outros artistas tocassem suas músicas?

CG - Ciumento, não. Acho que a partir de quando uma composição está pronta, ela ganha vida, e precisa mais é voar. Fico sempre feliz quando alguém pede-me para tocar uma música minha, acho uma honra, e fico muito curioso pra ver como ela vai ficar na visão de outra pessoa. É sempre uma grata surpresa.

WRI - Já pensou em desistir da música alguma vez? Se sim, por quê?

CG - Várias vezes. Tem tempos que parece que a carreira de músico fica estagnada, parece que nada vai pra frente, bandas acabam, a gente leva calote de donos de bar... e a gente para e se pergunta: "pra quê continuar com tudo isso?". A última vez que isso aconteceu foi no começo desse ano, quando eu só estava tocando com o "Realejo é Jazz", e não tinha nenhuma previsão de algum outro show à vista. Tive minha companheira, a Laurita pra me dar um suporte quando pensei em largar tudo mesmo... mas, como ela mesma disse: "Não adianta eu fugir da música e ir ficar sentado num escritório 8 horas por dia e ser totalmente frustrado", e realmente é isso... pra que eu vou trabalhar com algo que com certeza se tornaria insuportável brevemente e deixar o trabalho que eu amo de verdade?
Ela me deu muita força pra poder dar uma volta por cima.

WRI - Tens um carinho especial por alguma música que compôs? Porquê?

CG - Essa é uma pergunta difícil. A "Chanson pour une petite fille" é bem especial, por causa de momentos que tenho com minha companheira ao som dela... "Jura" também, foi quando vi, pelo retorno que meus amigos deram dessa música, que eu tinha amadurecido, e me transformado num compositor de verdade. Mas no fim, todas tem alguma coisa especial, todas elas acabam sendo a "trilha sonora" de um capítulo da minha vida, então é difícil escolher uma só.

WRI - O que mais te irrita no meio musical? E o que mais te satisfaz?

CG - Com certeza, a falta de profissionalismo de alguns ditos "músicos" me deixa muito irritado. Na verdade essa é a causa da maioria das irritações que um musico tem. Acabam estigmatizando ainda mais a classe, e desvalorizam o trabalho daqueles que realmente querem fazer música a sério. A falta de união dos músicos, e os "egos inflados" de alguns também são bem irritantes. Mas tudo isso cai por terra quando você está num palco, e percebe a catarse, o olhar de satisfação, os aplausos e a felicidade do público.

WRI - Fale sobre seu ultimo álbum.

CG - "O Moderno Carnaval de Veneza" é meu quinto álbum, todos eles feitos de maneira bem independente. Gravei-o em 2007 sozinho, no meu estúdio caseiro, fiz guitarras, baixos, baterias e teclados. É um disco "conceitual", de certa forma conta uma pequena história sobre personagens conhecidos da Commedia del'Art e eternizados no Carnaval veneziano, mas numa roupagem moderna: o Pierrot, a Colombina e o Arlequim. Nessa história, o Pierrot acaba sendo deixado pela Colombina e, para se vingar, no carnaval se torna um verdadeiro "canastrão", um Arlequim...mas ao desenrolar de tudo ele acaba vendo que isso não vai torna-lo mais completo. Tudo isso em 15 músicas que vão de bossas eletrônicas a milongas, do rock ao jazz, quase como uma "trilha sonora" de uma peça que escrevi com o mesmo nome, mas ainda não tive a oportunidade de executá-la. Depois do "Moderno Carnaval..." eu acabei lançando 3 singles, com 3 músicas cada. Em "Trois Frangepédies" eu entro um pouco na área "clássica" e faço releituras das "Gymnopédies" do compositor francês Erik Satie. São três peças de piano solo bem despretensiosas. Já em "London or Montreal" eu fiz três músicas em inglês, tentando dar um ar de Rock Britânico às minhas músicas (o rock inglês é uma das minhas maiores influencias). Já no último single, de 2009, "Ici et Maintenant: La Pluie" eu exercitei um pouco meu francês, me baseando em outras influências minhas: o yé-yé francófono, Serge Gainsbourg e a chanson francesa.
Todos eles estão disponíveis pra baixar no meu site, o www.charliegibson.net

WRI - Para encerrar: deixe um conselho para quem esta começando.

CG - O caminho não é nada fácil. Dê um passo de cada vez. Sua música é o seu produto: valorize-se. Seja profissional e estude muito para ser o mais competente possível. Nunca deixe de sonhar.

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Este blog é uma base para a www.WEBRADIOILHA.com.br lá você também ouve o Charlie Gibson

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